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Gladyston Augusto Roberto

Pós graduando em Docência IFMG Campus Arcos



Na última década temos assistido a um incremento considerável de pesquisas sobre as representações mentais dos estudantes. Assim como a década de 1970 tem sido identificada como a década da procura das concepções alternativas e a de 1980 como a década da mudança conceitual (Moreira,1994), os anos 1990 podem ser caracterizados pela utilização das contribuições da Psicologia Cognitiva, em particular em relação às representações internas dos estudantes. Este interesse decorre da necessidade de entender os processos que subjazem à cognição, a fim de poder elaborar estratégias instrucionais mais eficientes (Brown, 1995; Vosniadou, 1995), dada a insatisfação com os escassos resultados obtidos nas pesquisas sobre a mudança conceitual (Duit, 1993). Como indica Caravita (2001), uma teoria sobre a aprendizagem conceitual somente pode ser justificada na medida em que se enquadre dentro de teorias da mente e da cognição, onde as representações mentais têm um papel explicativo para estes processos.

Dentre os diferentes construtos sobre as representações internas, o conceito de modelo mental tem alcançado uma grande importância na pesquisa em ensino de ciências a partir da segunda metade dos anos 1990 (Greca e Moreira, 2000). Como antecipavam Pintó et al. (1996), a potencialidade deste conceito para a pesquisa em ensino de ciências radicaria, fundamentalmente, na possibilidade de servir de referencial teórico para interpretar as concepções e os modos de raciocínio dos estudantes e, desta forma, abordar com uma fundamentação mais sólida a didática das ciências, fundamentação esta nem sempre presente ou pouco clara tanto nas pesquisas sobre concepções alternativas como nas da mudança conceitual (Moreira, 1994; Marín, 1999; di Sessa e Sherin, 1999).

Embora seu uso seja generalizado, não há uma definição geral ou única do que possa ser entendido como modelo mental; mais ainda, sua utilização na pesquisa em ciências tem se caracterizado pela vaguidade e diversificação de sentidos (Krapas et al. 1997; Greca e Moreira, 2000; Rodríguez Palmeiro, 2000), assim como pela ausência de definições explícitas. Isto, aliás, não é exclusividade da área de ensino, sendo um panorama semelhante já rastreado na própria área de origem, a Ciência Cognitiva (Rouse e Morris, 1986). Tomando só alguns exemplos publicados, e sem o intuito de sermos exaustivos, Galagovsky e Adúriz- Bravo (2001, p. 232) consideram que “a apropriação de qualquer aspecto da realidade supõe que ele seja representado, ou seja, supõe a construção de um modelo mental da realidade”; para Bao e Redish (2001, p. S46) modelos mentais são esquemas particularmente robustos e coerentes, que "se embasado em um conjunto de ideias consistentes e coerentes acerca dos objetos físicos e suas propriedades considerado como um modelo físico" ; Pozo (1999, p. 514) opõe os modelos mentais "às representações esquemáticas, explicitamente presentes na memória do sujeito".

Esta vaguidade e diversificação de sentidos tem levado a que praticamente tudo, ou qualquer tipo de representação, seja atualmente considerado como modelo mental na pesquisa em ensino de ciências, o que, nos parece, pode conduzir-nos perigosamente a que resultados de pesquisa possam ser resumidos, parafraseando Rouse e Morris (1986, p. 350), como dizendo que “os estudantes têm que representar alguma coisa para poder realizar suas tarefas”, o que não é um grande passo para o ensino de ciências. Ou seja, se não se pode diferenciar a funcionalidade e a estrutura desse construto em relação a outros tipos de representações internas para os processos de cognição - dado que os modelos mentais tanto podem ser estruturas estáveis localizadas (presumivelmente) na memória de longo prazo (convertendo-se, neste caso, só em substitutos pouco felizes do “conhecimento” em geral) quanto estruturas dinâmicas e, portanto, instáveis, geradas frente a uma situação concreta; ou que internamente seja a mesma coisa a representação de uma imagem que a representação gerada para explicar e predizer o funcionamento de uma máquina -- se corre o risco de perder grande parte da potencialidade do construto.

Em um trabalho bastante conhecido, Vosniadou (1994; Vosniadou e Brewer, 1994) utiliza os modelos mentais para caracterizar as representações dinâmicas que os sujeitos geram para lidar com situações específicas. Estas representações estariam determinadas pelas teorias de domínio que os sujeitos têm sobre um determinado conjunto de fenômenos2, que por sua vez, adotariam, de forma implícita, a estrutura de certos princípios ou supostos epistemológicos e ontológicos impostos pelas "teorias- marco" ou teorias implícitas (Pozo e Gómez Crespo, 1999). Estes supostos implícitos se constituiriam nos primeiros anos de vida do sujeito e não seriam compatíveis com os pressupostos das teorias científicas, convertendo-se assim no principal obstáculo para a aprendizagem de conceitos científicos.

Um dos problemas desta abordagem é a falta de definição em relação à estrutura tanto das teorias de domínio como das teorias--marco, assim como as implicações teóricas da diferenciação entre as distintas representações (Caravita, 2001). Este problema é comum a uma série de enfoques que pressupõem analogias entre processos psicológicos cognitivos e processos de mudanças nas teorias científicas e que têm sido questionados nos últimos anos tanto na psicologia como no ensino em ciências (Fodor, 1998; Marin, 1999; Caravita, 2001). Outra das questões que aparecem é ausência de definição dos mecanismos e relações entre as diferentes representações, assim como a relação entre estas e as variáveis externas que supostamente as influenciam.

Greca e Moreira (2002), adotando o referencial dos modelos mentais de Johnson-Laird, encontraram nas suas pesquisas que os modelos mentais gerados pelos estudantes para a explicação e predição de situações físicas concretas e para a compreensão de conceitos físicos dentro do âmbito escolar são determinados tanto pelo conhecimento geral dos estudantes como por certos conceitos ou pressupostos mais fundamentais que funcionariam como núcleos desses modelos mentais.

Esses núcleos seriam entidades mais estáveis da estrutura cognitiva e determinariam o conjunto de situações que são percebidas como semelhantes. Tais núcleos poderiam estar formados tanto por elementos relacionados com os modelos físicos como por outros vinculados aos modelos matemáticos. O processo de aquisição do conhecimento estaria dado por sucessivas reformulações dos modelos mentais dentro de uma mesma família de modelos (que teriam o mesmo núcleo) ou pela geração de novas famílias de modelos que permitiriam o estabelecimento ou aceitação de novos núcleos. Segundo esta perspectiva, se a informação à qual o estudante deve dar significado não lhe permite a elaboração de modelos mentais adequados para sua compreensão (que não sejam contraditórios com aquilo que sabe, seja via a reformulação dos seus modelos ou através da geração de novos), ele não construirá modelos mentais e a informação passará a ser memorizada na forma de representações proposicionais isoladas não significativas. Esta proposta permite explicar um fato bastante conhecido nas aulas de ciências, que é o rápido esquecimento dos estudantes das ideias ensinadas em aula e aparentemente aprendidas. Os estudantes aprenderiam fórmulas, algoritmos de resolução e definições, não vinculadas a modelos mentais, que seriam mais facilmente esquecidas.

Contudo, novamente, neste caso a estrutura do conhecimento geral dos estudantes (representações proposicionais, imagens, núcleos, fórmulas, ...) não aparece claramente definida nem diferenciada assim como tampouco são explicados os mecanismos e relações entre esse conhecimento geral e os modelos mentais.


REFERÊNCIAS

Bao, L. e Redish, E. R. (2001). Concentration analysis: a uantitative assessment of student states. Physical Education Resources, American Journal of Physics Supplement, 69(7), pp. S45-S53.

Brown, A. (1995) Advances in learning and instruction, Educational Researcher, 23(8), pp. 4-12

Caravita, S. (2001). Commentary: a re-framed conceptual change theory? Learning and Instruction, 11 (4-5), pp. 421-429.

diSessa, A. e Sherin, B. L. (1998) What changes in conceptual change? International Journal of Science Education, 20(10), pp.1155-1191.

Duit, R. (1993) Research on students'conceptions: developments and trends. Proceedings of the 3rd International seminar on Misconceptions and Educational strategies in Science and Mathematics. Cornell University, Ithaca, N.Y.

Fodor, J. (1998). Concepts. Where cognitive science went wrong. New York: Oxford University Press 

Galagovsky, L. e Adúriz- Bravo, A. (2001). Modelos y analogías en la enseñanza de las ciencias naturales. El concepto de modelo didáctico analógico. Enseñanza de las ciencias, 19(2), pp. 231-242.

Greca, I. M. e Moreira, M. A. (2000). Mental models, conceptual models, and modelling. International Journal of Science Education, 22 (1), pp. 1-11

Krapas, S., Queiróz, G., Colinvaux, D. & Franco, C. (1997). Modelos: Uma análise de sentidos na literatura de pesquisa em ensino de ciências. Investigações em Ensino de Ciências, 2(3), pp.

Marín, N. (1999). Delimitando el campo de aplicación del cambio conceptual. Enseñanza de las Ciencias, 17 (1), pp. 80-92

Moreira, M. A. (1994). Cambio conceptual: crítica a modelos y una propuesta a la luz de la teoría del aprendizaje significativoIn: Science & mathematics Education for the 21st . Century: Towards innovatory approaches. Concepción, Chile. Atas de...pp. 81-92

Pintó, R., Aliberas, J. Gómez, R. (1996) Tres enfoques de la investigación sobre concepciones alternativas. Enseñanza de las Ciencias, 14(2), pp. 221-232.

Pozo, J. I. e Gómez Crespo, M. A. (1998) Aprender y enseñar ciencia. Madrid: Morata

Rodríguez Palmero, M. L. (2000). Modelos mentales de célula. Una aproximación a sutipificación con estudiantes de COU. Tesis Doctoral. Departamento de Didáctica e Investigación Educativa y del Comportamiento. Universidad de La Laguna.

Rouse, W. B. e Morris, N. M. (1986). On looking into the black box: prospects and limits in the search for mental models. Psychological Bulletin, 100 (3), pp. 349-363.

Vosniadou, S. (1994). Capturing and modeling the process of conceptual change. Learning and Instruction, 4, pp. 45-69.

Vosniadou, S. (1995). Towards a revised cognitive psychology for new advances in learning and instruction. Learning and Instruction, 6(2), pp. 95-109.

Vosniadou, S. & Brewer, W. (1994) Mental models of the day/night cycle. Cognitive Science, 18, pp. 123-183.


Recebido em 29 de maio de 2020
Publicado em 26 de junho de 2020


Como citar este artigo (ABNT)

ROBERTO, Gladyston Augusto. Representações Mentais. Revista MultiAtual, v. 1, n.2., 26 de junho de 2020. Disponível em: https://www.multiatual.com.br/2020/06/representacoes-mentais.html