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Nicholas Takamoto Leal da Silva

Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade Nove de Julho. Atualmente Advogado, Corretor e Avaliador Imobiliário, Palestrante e Funcionário Público.

Resumo

O presente artigo explora a partir de uma extensa pesquisa bibliográfica a crise econômica causada pela Pandemia de COVID-19, a relevância da empresa para a sociedade como agente econômico, os pressupostos da intervenção do Estado na economia e, por fim, a importância liberdade e dignidade humana para o desenvolvimento ideal do Estado.

Em minuciosa análise será aferida os impactos da pandemia de COVID-19 na nação brasileira, interligando as benesses da função social da empresa, esta que se tornou parâmetro constitucional para o desenvolvimento sustentável da nação, pois delimitou de forma explícita os poderes e a autonomia das ações empresariais e fortaleceu seu papel de agente econômico essencial para manutenção dos empregos e do desenvolvimento.

Dessa forma, primordialmente o trabalho discorrerá brevemente sobre os impactos econômicos da COVID-19, suscitando interessante parâmetro com a importância do respeito à função social da empresa em prol do desenvolvimento da nação, em que o Estado se utiliza de instrumentos de intervenção econômica para que sejam mantidas a ordem, e a busca pela dignidade da pessoa humana.

Por fim, em sua conclusão será analisado a correlação do futuro pós pandemia da política de desenvolvimento e de fortalecimento econômico, com a atual intervenção mais efetiva que o Estado constantemente vem realizando por meios de suas políticas públicas.

Palavras-chave: Direito Empresarial, Desenvolvimento nacional, Empresas Economia, livre concorrência, Liberdade, Dignidade Humana.

Sumário: Introdução 1. Os impactos econômicos da pandemia na nação brasileira 2. Da história da economia aos agentes econômicos e a função social da empresa. 3. Regulação e Intervenção do Estado na economia. 4. Meios de Atuação do Estado na economia. 5. O emergir do capitalismo social e da constituição humanista de forma efetiva na pós pandemia. 6. Conclusão e as novas perspectivas para o futuro pós pandemia.  

 

INTRODUÇÃO

No final de 2019, o mundo conheceu o seu pior inimigo desde a Gripe Espanhola, o vírus Sars-cov-2, ou mais comumente conhecido como Coronavírus ou COVID-19 (nomenclatura essa concedida pela OMS em 11 de fevereiro de 2020).

Essa nova doença respiratória extremamente contagiosa, segundo dados da OMS, surgiu mais precisamente na China, em Wuhan. A primeira notificação oficial da OMS foi emitida em 31 de dezembro de 2019, depois que as autoridades chinesas notificaram casos de uma misteriosa pneumonia naquela metrópole chinesa de mais de 11 milhões de habitantes, população comparável a São Paulo.

Segundo pesquisas o surto inicial atingiu pessoas que tiveram alguma associação a um mercado de frutos do mar em Wuhan, o que alertou a suspeita de que o vírus teria sido transmitido de um animal silvestre para um humano.

A primeira morte pela doença ocorreu em 09 de janeiro de 2020; um homem de 61 anos de idade na China. Após esse episódio, a epidemia alastrou-se exponencialmente rápida, transmitindo para países vizinhos da Ásia e Oceania, passando para Europa, África, América do Norte, América Central e por último América do Sul.

O epicentro inicial foi a China, mas rapidamente o epicentro se tornou Europa (Itália, França, Espanha, Reino Unido liderando o número de contaminações e mortes). Posteriormente EUA assumiu a liderança, tornando-se o epicentro da pandemia mundial.

Nesse período o mundo entrou em uma quarentena sem precedentes, fechando comércios e fábricas, estagnando por semanas a economia mundial.

Enquanto via o mundo fechar as portas de seus comércios entre final de janeiro e fevereiro, a nação brasileira ainda vivia uma falsa sensação de que estava imune à pandemia, tanto que em inúmeros Estados do território nacional foram mantidas as comemorações culturais do Carnaval (24 e 25 de fevereiro) e outras aglomerações de pessoas em shows e congressos. Em números absolutos e oficiais, nesse período o mundo já contabilizava mais de 190 mil pessoas contaminadas.

Precisamente em 26 de fevereiro, um homem de 61 anos, que viajou para Itália foi o primeiro caso diagnosticado no Brasil; 11 de março (data esta que a OMS tardiamente declarou o COVID-19 como pandemia) o país já possuía 52 casos; 17 de março ocorreu a primeira morte pela doença no Brasil; posteriormente a 20 de março diversos Estados brasileiros começaram a aderir a quarentena do isolamento social, modelo este de intervenção estatal que obrigatoriamente fechou inúmeros comércios que não eram considerados “essenciais”.

E partir desse momento o Brasil ficou muito próximo do “Lockdown” nacional, que é a imposição do Estado em tornar o confinamento da população obrigatória com objetivo de tentar conter a doença, impedindo que haja transeuntes entre cidades ou Estados, apenas há a possibilidade de sair da residência em casos especiais ou essenciais. Esta medida é claramente uma evolução ao isolamento social em prol de desacelerar a propagação do vírus. Entretanto, apenas alguns Estados como Maranhão, Pará, Rio de Janeiro, Ceará e Santa Catarina, mais recentemente, utilizaram dessa medida extrema em alguns de seus municípios.

Nesses termos, países como China, Espanha, Itália, Alemanha, entre outros também chegaram a decretar lockdown nacional ou regional, estabilizando suas contaminações.

Em 22 de maio de 2020, a OMS declarou a América do Sul como novo epicentro da doença, com o Brasil puxando os indicadores de contaminados na região, e já se pré-estabelecendo entre uma das nações mais afetadas pela referida doença.

A quarentena ou distanciamento social no Brasil perdurou até meados da primeira quinzena de junho, sendo que o setor econômico/industrial claramente pressionou o governo para a reabertura urgente da economia.

Atualmente o Brasil se encontra afundado em uma das maiores crises sanitárias e econômica da sua história, se tornando em julho de 2020 o segundo pais mais atingido do mundo em contaminados e vítimas fatais.

Nesse cenário explicitaremos: os efeitos socioeconômicos causados pelo COVID-19; como essa pandemia afetou as empresas e trabalhadores; quais medidas de intervenções governamentais foram aplicadas pelo Estado nesse período; e por fim, qual o papel e a função social da empresa em períodos de crise e posteriormente em favor do reestabelecimento econômico da nação.

 

1.      Os impactos econômicos da pandemia na nação brasileira.

Em dezembro de 2019 quando foi identificada a nova doença na China, que futuramente se tornaria uma pandemia, nenhuma nação soberana tinha a noção da crise sanitária e econômica que o mundo enfrentaria no decorrer de 2020.

Pouco tempo depois de diagnosticada, a doença se espalhou rapidamente pelos cinco continentes, pela sua facilidade de transmissão e letalidade, especialmente entre doentes crônicos e idosos.

Em março de 2020, o número de casos confirmados no planeta já ultrapassava a 380.000 pessoas, o que criou um alerta vermelho para todas as nações, independentemente do grau de desenvolvimento delas.

Temendo que o pior acontecesse, inúmeros países iniciaram uma série de medidas estratégicas e de intervenções econômicas com o objetivo de estabilizar os possíveis efeitos dessa crise na Economia.

Países como Japão, EUA, Alemanha, Dinamarca, Coréia do Sul, China, Brasil, entre outras nações efetuaram medidas em prol de atenuar e amortizar os efeitos do Coronavirus, de modo que em conjunto injetaram trilhões de dólares em suas economias, flexibilizaram políticas fiscais, estimularam a economia por intermédio de concessão de empréstimos e financiamentos a juros baixos e ainda concederam auxílios financeiros aos mais necessitados, entre outras ações.

Nessa seara o Estado brasileiro, por força da sua constituição econômica (termo este utilizado por Eros Grau e explanado nos próximos capítulos), intercedeu utilizando de macro medidas econômicas para atenuar os efeitos da crise que já se perpetuava na Europa.

Como medidas de enfrentamento da crise econômica e social gerada pela transmissão massiva da população brasileira, e de forma a atenuar os efeitos das medidas de contenção de contagio como o isolamento social (quarentena), o Estado brasileiro efetuou inúmeras medidas que são amplamente citadas em seu site institucional, como:

·           Incentivo ao isolamento social;

·           Medidas econômicas em prol de produtores rurais afetados pelo coronavirus, como a prorrogação de parcelas de financiamentos e recursos para estocagem e comercialização de produtos agrícolas;

·           Investimento federal para construção de respiradores em território nacional;

·           Auxílio Emergencial para mais de 27 milhões de desempregados ou autônomos, com recursos superiores para mulheres solteiras e com filhos;

·           Saques pontuais do FGTS;

·           Compras públicas emergenciais de insumos necessários;

·           Vacinação da população em relação ao vírus Influenza;

·           Resolução CGSN nº 154, de 03 de abril de 2020, que dispõe sobre a prorrogação de prazos de pagamentos de tributos no âmbito do Simples Nacional, em razão da pandemia

·           Medida Provisória 927/2020: dispõe sobre a liberação de mais capital de giro para as empresas, bem como o governo suspendeu o prazo para as empresas pagarem o FGTS, postergação de pagamento do FGTS dos meses de março, abril e maio de 2020, com possibilidade de parcelamento, Concessão de férias coletivas;

·           Resolução CODEFAT 851/2020, que dispõe sobre a liberação de mais de R$ 5 bilhões de crédito para as micros e pequenas empresas para programas mantidos com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, voltados ao capital de giro;

·           MP 232/2020, convertida na Lei 14.025/2020, dispõe sobre a redução de 50% das contribuições do sistema S (serviços sociais autônomos) , por 3 meses;

·           MP 946/2020, que dispõe sobre as transferências de valores não sacados do PIS/PASEP para o FGTS para permitir novos saques a fim de inserir mais recurso;

·           Resolução CODEFAT 857/2020, que dispõe sobre a antecipação do abono salarial para o mês de junho de 2020;

·           Decreto Federal 10.285/2020 e 10.302/2020, que dispõe sobre o corte temporário do IPI para bens produzidos internamente ou importados, que sejam necessários ao combate do COVID-19;

·           Resolução BACEN 4.782/2020, que estabelece, por tempo determinado (até setembro de 2020), em função de eventuais impactos da COVID-19 na economia, critérios temporários para a caracterização das reestruturações de operações de crédito, para fins de gerenciamento de risco de crédito. Facilitação de renegociação de empresas e famílias;

·           Resolução BACEN 4.783/2020, estabelece a concessão de crédito extra, concedendo a baixa na necessidade de capital próprio para a chamada “alavancagem”, com essa medida a previsão é de aumentar a capacidade de concessão de crédito em torno de R$ 637 bilhões;

·           MP 924/2020, dispõe sobre a liberação de crédito extraordinário da ordem de R$ 5.099.795.979,00 para os Ministérios da Educação e da Saúde aplicarem no enfrentamento da crise de saúde pública provocada pelo coronavirus;

·           MP 929/2020, dispõe sobre a concessão de crédito extraordinário de R$ 3.419.598.000,00 em prol de reforçar o Bolsa Família e a amplificação do programa, aumentando em cerca de 1 milhão de novos beneficiados com essa medida;

·           Resolução CNPS 1338, estabelece a redução de taxa de juros do empréstimo consignado para aposentados e pensionistas do INSS, passando dos atuais 2,08% para 1,80% ao mês, enquanto a taxa de cartão de crédito será reduzida de 3% para 2,70%;

·           Resolução CAMEX n° 17/2020, prevê a redução para zero das alíquotas de importação de produtos de uso médico-hospitalar englobando cerca de 50 produtos, abrangendo desde luvas, máscaras e álcool etílico até respiradores, para facilitar o atendimento da população e minimizar os impactos econômicos da pandemia;

·           Instrução Normativa RFB n° 1927/2020, prevê a simplificação por parte da Receita Federal do despacho aduaneiro de produtos de uso médico-hospitalar destinados ao combate da Covid19;

·           MP 936/2020 convertida na Lei 14.020/2020, que prevê a criação do auxílio para complementar a renda dos trabalhadores mais vulneráveis, que terão sua jornada de trabalho e remuneração reduzidas;

·           MP 935/2020, abre crédito extraordinário em favor do Ministério da Economia no valor de R$ 51.641.629.500,00, para os fins que especifica;

·           MP 925/2020, concede prazo de reembolso de 12 meses para as Companhias aéreas, referente as passagens compradas até 31/12/2020e que acabaram canceladas devido ao agravamento do coronavirus;

·           Decreto 64.968/2020, isenta do ICMS a parcela da subvenção da tarifa de energia elétrica nos termos das leis nº 10.604 e n° 12.212, prazo: durante o período que perdurar a emergência de saúde pública decorrente da pandemia de covid-19;

·           Portaria 8.024/2020 – INSS – que dispõe sobre o atendimento do INSS por intermédio de canais remotos, em prol de reduzir os riscos de exposição da população;

·           Medidas nos setores: da aviação, elétrico, energético, transporte e de incentivos aos MEI, Micro, Pequenas, Médias e Grandes Empresas. (Governo Federal, 15 julho 2020)

 

Muitas dessas medidas foram amplificadas pelos governos dos Estados, principalmente o de São Paulo, cujo qual concedeu benefícios e medidas de incentivos econômicos as empresas, como os R$ 650 milhões de créditos subsidiados pela Desenvolve SP, Banco do Povo e Sebrae; suspensão de protestos; benefícios à diversas categorias profissionais, obrigatoriedade do isolamento social e posteriormente do uso de máscaras faciais de proteção, entre outras medidas que também se encontram em seu site institucional (Governo de São Paulo, acesso em 15 de julho de 2020).

Essas medidas demonstram claramente o objetivo do Estado em manter a economia saudável. Em contrapartida inúmeros estudos demonstraram que a economia estava se recuperando, entretanto após janeiro os números começaram a apresentar expressivas pioras. Ou seja, as medidas conseguiram apenas desacelerar a iminente queda econômica  do Brasil em 2020.

Para corroborar o exposto anteriormente, abaixo estão os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua – PNAD Contínua, estudo esse promovido pelo IBGE, que demonstram claramente mensalmente o impacto da pandemia na economia brasileira, cujo estudo não foi criado para esta finalidade, mas aclara bem a problemática:

Taxa de desocupação das pessoas de 14 anos ou mais, Dezembro 2019

(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)

Rendimento médio mensal das pessoas de 14 anos ou mais, Dez 2019

(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)

Taxa de desocupação das pessoas de 14 anos ou mais, Janeiro 2020

(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)

Rendimento médio mensal das pessoas de 14 anos ou mais, Jan 2020

(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)

Taxa de desocupação das pessoas de 14 anos ou mais, Fevereiro 2020

(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)

Rendimento médio mensal das pessoas de 14 anos ou mais, Fev 2020

(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)

Taxa de desocupação das pessoas de 14 anos ou mais, Março 2020

(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)

Rendimento médio mensal das pessoas de 14 anos ou mais, Mar 2020

(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)

Taxa de desocupação das pessoas de 14 anos ou mais, Abril 2020

(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)

Rendimento médio mensal das pessoas de 14 anos ou mais, Abr 2020

(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)

Taxa de desocupação das pessoas de 14 anos ou mais, Maio 2020

(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)

Rendimento médio mensal das pessoas de 14 anos ou mais, Mai 2020

(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)

(IBGE, acesso em 15 de julho de 2020)

Verifica-se que em 2019 o cenário econômico nacional estava favorecendo a retração nos números de pessoas desempregadas, entretanto após o impacto do Covid-19, a taxa de desemprego começou a crescer novamente.

Estudos referentes ao crescimento econômico brasileiro eram recorrentes no cenário nacional, tanto que o Ministério da Economia do Governo Federal com a FGV publicaram uma nota informativa denominada: “Atividade Econômica e Resultados do PIB do 3º Trimestre de 2019”, onde demonstrava que o Brasil estava crescendo economicamente:

No 3º trimestre de 2019, a economia brasileira manteve a trajetória de recuperação da atividade, com aceleração da retomada do crescimento (+0,61% em relação ao trismestre anterior, ajustado sazonalmente), ratificando o aumento da confiança dos setores de serviços e varejo e dos consumidores que se iniciou após julho, momento de anúncio do Novo FGTS. Destaca-se o crescimento robusto do investimento e a retomada do consumo das famílias, enquanto o gasto do governo retraiu novamente. Reforçando a tendência de crescimento do PIB privado em substituição do PIB do setor público.

A implementação de medidas de ajuste fiscal, o encaminhamento de reformas estruturais, em especial com a aprovação da Nova Previdência, e as propostas legislativas que apresentam formas adicionais de correção da má alocação dos recursos da economia foram preponderantes para que as expectativas e os indicadores econômicos superassem o pior momento em agosto/2019, ou seja, a economia brasileira saiu do “fundo do poço”, com inflação sob controle e juros baixos. (Governo Federal – Ministério da Economia, acesso em 15 de julho de 2020)

            Por fim, este estudo ainda concluiu com essa frase impensável nos tempos atuais;

Os efeitos dessas medidas se propagarão para 2020 e o PIB do setor privado continuará acelerando, confirmando um crescimento substancialmente superior ao observado nos últimos anos. (Governo Federal – Ministério da Economia, acesso 15 de julho de 2020)

 

O que claramente nos demonstra que a economia estava em linha crescente, entretanto a partir de fevereiro começou a reagir negativamente, demonstrando em análise dos dados expostos, principalmente o aumento expressivo do número de pessoas desocupadas financeiramente.

Outro cenário preocupante em termos econômicos é o que demonstra o IBGE na Pesquisa Pulso Empresa: Impacto da Covid-19 nas empresas. Esse relatório demonstra claramente que 4 em cada dez empresas fecharam pela Pandemia. Abaixo estão em anexo os principais gráficos do supracitado relatório:

 

(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)

(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)

(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)

(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)

(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)

(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)

(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)

Nesse sentido, fica evidente que o Brasil está no início de uma grave crise socioeconômica, contudo fatores como: política pública eficiente, gestão empresarial flexível às crises e respeito a função social da empresa podem conjuntamente amortizar os efeitos da crise, bem como, promover o reestabelecimento econômico de forma mais efetiva e vigorosa.

Pelo exposto é vital para a construção desse raciocínio, demonstrar a história da economia, a evolução dos agentes econômicos, a influência das normas nos agentes e posteriormente a importância da empresa e a sua função social.

 

2.      Da história da economia aos agentes econômicos e a função social da empresa.

As transações comerciais, traduzidas anteriormente em atos comerciais exercidas pelos primeiros povoados remontam desde à Antiguidade, se confundindo com o aparecimento das primeiras aglomerações sociais, que culminou posteriormente no nascimento das civilizações, das sociedades e dos Estados (e suas economias estruturadas) como conhecemos atualmente.

Segundo SAYEG em sua obra “Texto de Estudos – O Capitalismo Humanista”, 2010, p. 67 e 68; a economia é um evento normatizado desde os primórdios, tanto que o Código de Hamurábi (XVIII a.C), já tratava de preços e salários, e no Código de Manu (II a.C a II d.C), encontra-se artigos que dispõe sobre moeda e limitando a atividade econômica.

A partir da Idade Média emergiu uma nova classe socioeconômica, constituídas por mercadores e comerciantes especializados e organizados a fim de intermediar qualquer tipo de relação comercial, chamada de Burguesia. Com a especialização do comércio houve-se a aproximação dos produtores das pequenas cidades medievais com os grandes centros populacionais existentes à época. Criou-se assim o início do “Estado burguês”.

Com o decorrer dos anos a burguesia cresceu inquestionavelmente, muito por sua conduta expansionista comercial, e em decorrência de seu poder econômico começando a questionar decisões efetuadas pelas outras camadas de poder da sociedade europeia na idade média. Para alcançarem patamares de importância parecida com a dos senhores feudais, essa nova classe social começou a comprar terras dos senhores feudais, dessa forma a ascensão da burguesia no cenário político e econômico ocasionou diversos confrontos com o poderoso Clero, e consequentemente com os senhores feudais (grupos estes dominantes à época).Esse grupo posteriormente entraria em choque com as lideranças econômicas atuais em prol de buscar um sistema econômico mais moderno, pautado em decisões de todas as classes sociais, respeitando “minimamente” a democracia, a liberdade individual e a liberdade econômica. Nessa época se entendia que quanto menor a intervenção econômica efetuada pelo Estado era melhor.

Na Idade Moderna, os burgueses unidos aos governos soberanos atravessaram os mares e expandiram seus serviços em âmbito continentais, interligando mercados de todas as regiões do planeta, consolidando Corporações e criando suas próprias leis e jurisdição particulares. Consequentemente, esta classe enriqueceu-se rapidamente, tornando-se por este motivo muito influente e diferente das demais pela natureza específica de suas atividades.

Com a Burguesia no poder de forma equitativa, devido ao seu grande vigor econômico, houve-se a necessidade de criar e difundir institutos jurídicos que regulassem o comércio. Na Europa, as trocas entre nações se intensificaram ocorrendo a necessidade de normas que regulassem suas atividades, intensificando e normatizando as características da letra de câmbio, do processo de falência e da criação de sociedades mercantis. Dessa época que decorreu o Código Savary, conjunto de Ordenanças que regulavam o comércio terrestre, este qual foi inspiração para posteriormente criar-se o Código Napoleônico (1807 – França).

Com rápido progresso das cidades e a maior necessidade de consumo da população, bem como com a crescente rivalidade comercial entre as nações iniciou-se uma constante busca por meios mais eficientes de produção, que dispusessem de menor tempo para a confecção dos bens e com uso reduzido de recursos. Com isso intensificou-se a implementação de novas tecnologias que possibilitavam maior eficiência na produção dos bens, fatos estes que posteriormente influenciariam a Revolução Industrial por todo o Continente europeu. Sendo Inglaterra a percursora da Revolução Industrial, devido ao forte êxodo rural e uma localização próxima ao mar, qual facilitava as transações marítimas. Nessa época houve-se o desenvolvimento e aprimoramento das máquinas à vapores.

Mas o marco dessa época foi a Revolução Francesa (1789-1799), norteado pelos princípios Liberté, Égalité e Fraternité. Sendo constituído o Código Napoleônico (1804) e posteriormente o Código Comercial (1807). Iniciando-se o pensamento codicista que supervalorizava o poder dos Códigos, dando início a era positivista, superando-se o Direito Natural, que deixou de ser uma fonte direta de consulta. Daí resulta a febre de codificação que varreu a Europa, no século XIX, espraiando-se pelas Américas, e da qual o de Napoleão foi uma espécie de Código-modelo, mas muito mais do que isso, uma permanente inspiração. Portanto, a era moderna desdobra-se na sombra dos ideais conquistados pela Revolução Francesa; o crescimento das repúblicas e das democracias liberais ao redor do mundo, a difusão do secularismo, o desenvolvimento das ideologias modernas e a invenção da guerra total.

Em um segundo momento, entre os períodos de 1860 a 1900, o mesmo aconteceu em países como a Alemanha, França, Rússia e Itália. No período subsequente as Revoluções Industriais, verificam-se as primeiras fusões, cisões e incorporações empresariais, dando origem aos grandes conglomerados, estas quais buscavam o lucro extremo de suas operações.

No decorrer da história Contemporânea, verifica-se além de um exacerbado aumento do consumo e da produção de bens, o emergir de Potencias Imperialistas Expansionistas altamente industrializados no Continente Europeu (França, Alemanha, Itália, Espanha e Inglaterra), no Asiático (Japão) e posteriormente no Americano (Estados Unidos da América). Nesse período a concorrência entre esses países tornava-se cada dia mais agressiva e acirrada por mercados e territórios. Essas disputas foram fatos determinantes à ocorrência da 1° e da 2° Guerras Mundiais, muita vezes com interesses camuflados por infindáveis discursos com base na proteção territorial e populacional dos países conflitantes.

Importante salientar que no período do século XVI até pouco depois da quebra da bolsa americana de 1929, em que EUA já se consolidava como a maior e mais poderosa nação do mundo, pregava-se o liberalismo econômico, ideologia esta que rejeitava o intervencionismo estatal, e entendiam que a economia se organiza por si mesma, de forma natural. O maior expoente dessa ideologia foi: Adam Smith. Ocorre que após a quebra da bolsa, percebeu-se que uma economia sem intervenção ou norteamento poderia criar colapsos astronômicos até maiores aos que ocorreram em 1929, que claramente poderiam ser fatal para a economia do país, tanto que se houve a necessidade de uma série de medidas de intervenção do governo americano para colocar EUA nos eixos novamente, sendo denominadas de “NEW DEAL”.

Um pouco adiante na história, após a segunda guerra, com as experiências tecnológicas advinda das Guerras, iniciou-se uma nova era para o comércio, com o surgimento de uma indústria cada dia mais eficiente em um mercado cada vez mais tecnológico. O marco principal para nova era foi o aparecimento principalmente de computadores e o advento da internet, que posteriormente revolucionaram o comércio.

Diante as explanações, torna-se claro que não há desenvolvimento econômico-social de uma nação sem o fortalecimento de seu comércio, pois é nele que há maior porcentagem de empregabilidade da população, ou seja, conforme expõe Rubens Requião (2011, p. 28), “[...] Aparelha-se, dessa forma, o comércio para desempenhar a sua função econômica e social, unindo indivíduos e aproximando os povos, tornando-se elemento de paz e solidariedade, numa intensa ação civilizadora.[...].

Porém há excessos no capitalismo, como assevera Norberto Bobbio:

(...) da crítica das doutrinas igualitárias contra a concepção e a prática liberal do Estado é que nasceram as exigências de direitos sociais, que transformaram profundamente o sistema de relações entre o indivíduo e o Estado e a própria organização do Estado, até mesmo nos regimes que se consideram continuadores, sem alterações bruscas, da tradição liberal do século XIX (...) Liberalismo e igualitarismo deitam suas raízes em concepções da sociedade profundamente diversas: individualista, conflitualista e pluralista, no caso do liberalismo; totalizante, harmônica e monista, no caso do igualitarismo. Para o liberal, a finalidade principal é a expansão da personalidade individual, abstratamente considerada como um valor em si; para o igualitário, essa finalidade é o desenvolvimento harmonioso da comunidade. E diversos são também os modos de conceber a natureza e as tarefas do Estado: limitado e garantista, o Estado liberal; intervencionista e dirigista, o Estado dos igualitários. (2000, p.42)

Portanto, pode-se concluir que o que se entende por Estado até pouco antes da primeira guerra era atribuído função de produção de direito e segurança, não se admitindo que houvesse intervenção econômica na “ordem natural” da economia, pela visão extremamente liberalista, ainda que lhe incumbisse a defesa da propriedade, assim ocorrendo uma separação virtual entre Estado e economia, de forma totalmente equivocada. Porém com o decorrer do desenvolvimento histórico econômico, alterou-se paulatinamente e o Estado recebeu a característica neoconcorrencial ou intervencionista, tudo feito de forma codificada e dirigida para que se atinja o fim pretendido, em prol do bem-estar da sociedade.

No Brasil pode-se salientar que ainda à luz do liberalismo, a economia já havia sido disciplinada na Constituição Imperial de 1824, mesmo que de forma extremamente sucinta. No entanto, a partir do Código comercial de 1850 (claramente inspirado no Código Mercantil Napoleônico de 1807), já trazia uma posição mais intervencionista e dirigista do Estado na economia. Porém, com o Governo Vargas, Juscelino Kubitschek e posteriormente com os Militares a atuação e intervenção foi maior, pois foram governos que acreditavam no crescimento pautado na máquina pública como o vetor de tudo, em que a empresa pública se torna o principal agente econômico da nação.

Após a Constituição de 1988 criou-se parâmetros para tornar o Estado Regulador: EC n°s 05,06,07, 08 (15.08.1995) e 19 (04.06.1998); Programa Nacional da Desestatização (Lei 8031/90); Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90); Lei de Defesa da Concorrência (Lei 8884/94); Lei de Concessão de Serviços Públicos (Lei 8987/95); Lei de Processo Administrativo Federal (Lei 9784/99);“Conselho de Reforma do Estado” – DEC. 1738/96. Todas essas leis possuem por finalidade regular na economia em situações ou áreas que sejam necessárias.

Conforme o próprio site da Controladoria-Geral da União: “A regulação abrange toda forma de organização da atividade econômica através do Estado, seja a intervenção através da concessão de serviço público ou no exercício de poder de polícia administrativo. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a regulação se divide em três áreas: a regulação econômica e dos setores da economia pelo Estado; a regulação social, que regula as atividades de interesse social; e a regulação Administrativa traduzida pela soberania do Estado e no poder regulamentar.

Agora voltando aos agentes econômicos anteriormente citados, é essencial evidenciar a importância da empresa nessa questão, mas antes é preciso entender do que se trata esse termo.

Agentes Econômicos: são todos os indivíduos e instituições com autonomia e capacidade para realizar transações e relações com objetivos econômicos, influenciando assim a Economia. São eles: Família, Governo/Estado, Exterior e Empresas (Instituições financeiras ou não financeiras).

Os agentes econômicos são amplamente influenciados pelas políticas públicas do Estado, assim como preconiza Luiz Carlos Barnabé de Almeida:

O Estado, na busca de maior justiça social, por meio da intervenção no mercado para coibir suas falhas com uso de leis ou medidas provisórias, afeta o comportamento dos agentes econômicos, incluindo o próprio governo. São exemplos:

1.         Determinação do salário mínimo;

2.         Tabelamento de preços;

3.         Política penal;

4.         Valores determinados para a previdência social;

5.         Reajustes na locação de imóveis;

6.         Lei do zoneamento urbano;

7.         Leis aduaneiras. (2012, p. 100)

Nesse sentido, a importância socioeconômica dos agentes econômicos, principalmente as empresas em prol do estabelecimento e desenvolvimento de uma nação é inegável, bem como, a influência das medidas efetuadas pelas políticas públicas do Estado, independentemente da Empresa ser micro, pequena (familiares ou de subsistência) ou uma grande transnacional.

É a Empresa, o agente econômico que mais emprega, e consequentemente movimenta a Economia nacional, como bem explana Dr. Fábio Konder Comparato:

“É dela que depende, diretamente, a subsistência da maior parte da população ativa deste país, pela organização do trabalho assalariado. A massa salarial já equivale, no Brasil, a 60% da renda nacional.”(1995, p. 3)

Por tal motivo social que as empresas são instrumentos estratégicos dos governantes para promover o crescimento econômico, por isso, por exemplo o cuidado em se ter a promulgação da Lei da Liberdade Econômica.

Lembrando que o desenvolvimento socioeconômico ocasionado pelas empresas é notório e intrínseco às mesmas, característica essa basal, ou seja, encontra-se em sua função social.

A função social da empresa foi citada pela primeira vez por Fábio Konder Comparato (1986), que citou a empresa como a instituição social mais influente e decisiva da civilização contemporânea, e ainda fez uma analogia maravilhosa entre os haveres que as empresas têm para com a sociedade em que está inserida, correlacionando com o princípio da função social da propriedade, normatizados nos arts. 5º, XXIII, e 170, III, Constituição Federal Brasileira de 1988.

“Se se quiser indicar uma instituição social que, pela sua influência, dinamismo e poder de transformação, sirva de elemento explicativo e definidor da civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é a empresa.” (1995, p.3)

Explanou-se que para exercer a função social da empresa, esta qual estaria contida implicitamente nas normas supracitadas, a empresa nunca deverá  concentrar todos os esforços para satisfazer apenas os interesses do empresário, mas respeitando todos os outros interesses jurídicos que a circunda, ou seja, a Constituição Federal respalda e protege os interesses metaindividuais da sociedade como um todo ou da parcela que for afetada pelo modo com que são empregados os interesses da empresa ou o fim que são destinados os seus bens de produção.

Sendo assim, de forma implícita, a Constituição Brasileira reconheceria o Princípio da Função Social da Empresa e seus efeitos, como expõe o Professor Dr. Fábio Ulhôa Coelho:

A Empresa cumpre a função social ao gerar empregos, tributos e riqueza, ao contribuir para o desenvolvimento econômico, social e cultural da comunidade em que atua, de sua região ou do país, ao adotar práticas empresariais sustentáveis visando à proteção do meio ambiente e ao respeitar os direitos dos consumidores, desde que com estrita obediência às leis a que se encontra sujeita. (2017, p.75)

             Também podemos salientar o entendimento de Gladston Mamede:

O princípio da função social da empresa é metanorma que tem essa matriz demandando seja considerado o interesse da sociedade, organizada em Estado, sobre todas as atividades econômicas, mesmo sendo privadas e, destarte, submetida ao regime jurídico privado.(...) Suas atividades e seus resultados desenvolvem a economia, e destarte, acrescentam esforços de desenvolvimento nacional, um dos objetivos fundamentais da República, segundo o artigo 3º, II, da Constituição. (2011, p.48)

Portanto, conclui-se que a função social da empresa é fator implícito e geral, mantendo estrito alinhamento com a função social da propriedade, e nesse sentido, o Estado conjuntamente com os interessados (população economicamente ativa e empresários) têm o dever de ressaltar e manter esse princípio cada vez mais presente nas relações comerciais, pois além de se utilizar da iniciativa privada em prol do desenvolvimento sustentável da nação, incorrendo na geração de riqueza produtiva, em contrapartida ainda haverá sempre a preocupação social com a manutenção dos postos de trabalhos, as condições, bem como, o respeito à livre concorrência e a livre iniciativa, princípios relativamente importantes para movimentar a economia e o desenvolvimento de uma nação.

E majoritariamente nesse período de pós pandemia, em prol da reestruturação da economia em âmbito nacional, as Empresas terão um caráter social fundamental, ao serem o importante elo de geração e manutenção de renda da sociedade, e terão que amenizar a sua busca incessante por lucro para poderem reafirmar seus valores sociais e sua vital importância nesse momento tão avassalador.

 

3.      Regulação e Intervenção do Estado na economia.

Antes de adentrarmos mais profundamente no tema da Intervenção, precisamos pincelar novamente o que é regulação do Estado na Economia.

A regulação é entendida como um conjunto de medidas e ações do Governo que envolvem alguns fatores: criação de normas, controle e fiscalização de segmentos de mercado explorados por empresas para assegurar o interesse público estando diretamente ligada aos direitos do cidadão e a proteção da sociedade ganhando maior robustez a partir da criação do “Conselho de Reforma do Estado” – DEC 1738/96 e do estabelecimento das agências reguladoras, em prol de normatizar, paramentar e fiscalizar a prestação de serviços públicos pela ação dessas agências, sendo elas: ANAC, ANATEL, ANEEL, ANP, ANS, ANTAQ, ANCINE, ANTT, ADASA, ANA e ANVISA.

As principais formas de regulação do Estado na Economia são: concessão de serviço público, planejamento social e econômico em prol do interesse social, agências reguladoras e exercício do poder de polícia por intermédio da limitação da liberdade dos particulares e da intervenção econômica, por meio de estabelecimento e criação de normas e da atuação efetiva do agente fiscalizador (CADE).

A intervenção do Estado no domínio econômico nada mais é do que todo o ato legal, pautado em princípios constitucionais, que tenham por fim restringir, condicionar, reprimir ou suprimir a iniciativa privada, em prol da equidade no desenvolvimento nacional e a justiça social, garantindo aos cidadãos da nação seus direitos e garantias individuais. Sendo a principal forma de regular a economia no Estado.

Como motivação central pode-se citar que a intervenção estatal na economia começou a surgir com a derrocada do ideal econômico como “ordem natural”, pois havia uma discrepância enorme entre os lucros auferidos pelas corporações em detrimento da sua contribuição social, portanto, se viu necessário um Estado que assumisse determinadas responsabilidades.

Promovendo um parâmetro interessante entre a história da economia e o início da intervenção econômica efetuada pelo Estado percebe-se que não foi de todo modo pacífico, porém a necessidade de resguardar direitos inerentes a dignidade do ser humano, bem como, o interesse das empresas em serem respaldadas pelo governo em relação a políticas protecionistas de mercados, fez com que se houvesse constante necessidade da aceitação da intervenção econômica, ou seja, entende-se que a crescente aceitação da intervenção do Estado na economia representou a queda da aplicação puritana da doutrina do Estado liberal defendida pela Escola Clássica do pensamento econômico, liderado por Adam Smith.

Nascia desde então um Estado interventor econômico que atuaria em prol de garantir o exercício racional das liberdades individuais, ou seja, conforme apregoava John Maynard Keynes, o Estado respeitaria os postulados liberais (pelo princípio da vedação do retrocesso social) e inibiria as extravagâncias do liberalismo.

Desse modo a intervenção econômica tem como escopo garantir a livre competição e a preservação do mercado, e concomitantemente diminuir a desigualdade em prol da justiça social e proteger os direitos fundamentais dos cidadão nele inseridos, seja contra o Estado ou instituições privadas utilizando-se de políticas públicas para que assim ocorra uma distribuição mais equitativa de renda, ajustando a economia em um “desenvolvimento sustentável”, com a efetiva atuação do Estado na atividade econômica da nação em prol de garantir a preservação dos direitos subjetivos nas relações econômicas, seja de seus sujeitos diretos ou indiretos.

            Nesse sentido é de suma importância salientar que nossa Carta Magna é reconhecida por ter normas e parâmetros econômicos, priorizando o chamado desenvolvimento sustentável, tanto que é chamada de Constituição econômica. Para isso vejamos o que dispõe Eros Grau:

A idéia de Constituição Econômica ganhou corpo na doutrina alemã, neste século, a partir da consideração do quanto dispôs a Constituição de Weimar a respeito da vida econômica. (...)Conceitua-se-a, então, como “o conjunto de preceitos e instituições jurídicas que, garantindo os elementos definidores de um determinado sistema econômico, instituem uma determinada forma de organização e funcionamento da economia e constituem por isso mesmo, ipna determinada ordem econômica (Vital Moreira), ou, definida a partir de sua função, como “formada pelo ordenamento essencial da atividade econômica – contendo os princípios e as normas essenciais ordenadoras da economia, dos quais decorrem sistematicamente as restantes normas da ordem jurídica da economia  (Antonio L. Sousa Franco). (2010, p. 77)

            Outrossim ainda é importante salientar que o próprio Eros Grau (2010, p.76) explana sobe a existência de dois tipos de Constituições Econômicas, sendo elas: Constituição Econômica Estatutária e Diretiva (ou programática). A primeira entende-se como àquela que “estatui, definindo os estatutos da propriedade dos meios de produção, dos agentes econômicos, do trabalho, da coordenação da economia, das organizações do capital e do trabalho”, a segunda, compreende-se àquela que “define o quadro de diretrizes das políticas públicas, coerentes com determinados objetivos também por ela enunciados”, sendo nessa última em que germinam e se estabelecem parâmetros e meios para a criação e modificação das novas ordens econômicas; e é na primeira e que se consagra, por meio da Constituição Federal de 1988, que o sistema econômico predominante no Brasil é o capitalismo, porém com a previsão da presença do Estado para implementação do regime social em prol do desenvolvimento sustentável.

 

4.       Meios de Atuação do Estado na economia.

Como se pode verificar no decorrer deste trabalho, a intervenção do Estado na economia nacional é uma realidade, e principalmente, uma necessidade como forma de assegurar a própria existência da noção de mercado, ocorrendo uma inequívoca conexão existente entre os direitos transindividuais e a ordem econômica.

Importante salientar que o fato do Estado poder intervir na economia já reduz significativamente os riscos, seja para os indivíduos diretos, indiretos, quanto para as empresas, gerando segurança jurídica e econômica na prossecução dos princípios capitalistas, por sempre respeitarem e seguirem uma linha de coerência com os interesses do capitalismo.

Diante o exposto, o Estado pode interferir na ordem econômica de modo direto ou indireto. A primeira forma entende-se pelo Estado explorar diretamente a atividade econômica (agente econômico), seja por monopólio quando em participação com as empresas do setor privado por meio de concessões (art. 175, Constituição Federal), entretanto o caráter público da referida atividade econômica será devidamente mantida; a segunda forma o Estado atua como agente normativa e regulador da atividade econômica em prol de resguardar o princípio da livre-concorrência, consequentemente evitando abusos, fiscalizando excessiva concentração de mercado por uma única empresa ou grupo empresarial e coibindo ações ilegais das empresas no meio econômico. Respectivamente, ambas estão dispostas na Constituição Federal, em seus artigos 173 e 174:

Artigo 173, caput, da CF/88: A exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

Artigo 174, caput, da CF/88: Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

·         Exploração direta da atividade econômica pelo Estado

A prestação direta dos serviços públicos pelo Estado é exercida pela Administração Pública, esta qual pode ser direta ou indireta (empresas públicas, sociedades de economia mista e concessões de uso/prestação de serviços por empresas privadas pelo Estado), lembrando que todo atividade executada pelo Estado, mesmo que seja por meio de alguma instituição privada, que se obteve por intermédio de concessão, estes serviços jamais perdem a conotação pública.

Importante ressaltar que não há livre iniciativa no serviço público, uma vez que esta incide sua prestação em decorrência de uma determinação oriunda do Estado, diante de uma necessidade inerente naquela área. Essa prestação pode ser exercida ou não em caráter de privilégio.

 Todavia há de ressaltar que excepcionalmente os casos explícitos em lei, o Monopólio, ou mesmo o privilégio para empresas privadas e que não estão prestando serviços ao Estado por meio de concessão é estritamente proibido por lei.

Sobre tal proibição, explana José Afonso da Silva:

Está previsto que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. (2013, p.812)

Já as hipóteses de monopólio estatal estão dispostas, taxativamente, no artigo 177 da Constituição Federal.

Artigo 177, CF: Constituem Monopólio da União:

I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;

II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;

III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;

IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;

V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal.

§1° A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei.

§ 2° A lei a que se refere o §1º disporá sobre:

I – a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional;

II – as condições de contratação;

III – a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União.

            Analisando os incisos do artigo supramencionado é evidente vislumbrar que o Estado “monopolizou” para si as principais matrizes energéticas.

Outrossim, ainda mencionar o artigo 21da Constituição Federal, este qual dispõe sobre a prestação das seguintes atividades por parte da União, explorando-as diretamente ou por meio de terceiros: explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados; emissão de moedas; serviço postal; serviços de telecomunicações; serviços de radiofusão; serviços de energia elétrica; aproveitamentos dos cursos d’água; navegabilidade aérea; aeroespacial; transporte ferroviário; aquaviário;  rodoviário interestadual e internacional; portos marítimos; fluviais e lacustres.

Portanto, mesmo atuando na atividade econômica em sentido estrito, o Estado sempre se pautará em um interesse so­cial que culminará na intervenção (segurança nacional ou relevante interesse coletivo).

 

·         Exploração indireta da atividade econômica pelo Estado.

A intervenção do Estado na economia também pode ocorrer de forma indireta em dois casos: direção ou indução. Nesse tipo de exploração o Estado efetuará atividades regulatórias; na intervenção por direção o Estado determinará o cumprimento de mecanismos e padrões de comportamento compulsório dos agentes econômicos privados; na intervenção por indução o Estado adequará os instrumentos de intervenção para que estejam em conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados.

É importante salientar que a intervenção indireta se baseia no artigo 174 da Constituição Federal, pois o Estado tem função de agente regulador e normativo da atividade econômica, desempenhando à luz da lei, as funções de fiscalização, incentivo, direcionamento e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

Nesse sentido, se faz necessário uma citação de Eros Grau:

No caso das normas de intervenção por direção estamos diante de comandos imperativos, dotados de cogência, impositivos de certos comportamentos a serem necessariamente cumpridos pelos agentes que atuam no campo da atividade econômica em sentido estrito – inclusive pelas próprias empresas estatais que a exploram. Norma típica de intervenção por direção é a que instrumenta controle de preços, para tabelá-los ou congelá-los. No caso das normas de intervenção por indução defrontamo-nos com preceitos que, embora prescritivos (deônticos), não são dotados da mesma carga de cogência que afeta as normas de intervenção por direção. Trata-se de normas dispositivas. (...)(2010, p.92)

Pintarelli (2012, p. 57) afirma, ainda, que indiretamente, a intervenção do Estado pode se dar por direção ou indução, na primeira, este desenvolverá atividade regulatória determinando mecanismos e normas de comportamento compulsório dos agentes econômicos privados, ao passo que na segunda, o Estado atua manipulando os instrumentos de intervenção em consonância e na conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados.

Em conformidade com que elucida Hely Lopes Meirelles:

(...) atuar é intervir na iniciativa privada. Por isso mesmo, a atuação estatal só se justifica como exceção à liberdade individual, nos casos expressamente permitidos pela Constituição e na forma que a lei estabelecer. O modo de atuação pode variar segundo o objeto, o motivo e o interesse público a amparar. Tal interferência pode ir desde a repressão a abuso do poder econômico até as medidas mais atenuadas de controle do abastecimento e de tabelamento de preços, sem excluir outras formas que o Poder Público julgar adequadas em cada caso particular. O essencial é que as medidas interventivas estejam previstas em lei e sejam executadas pela União ou por seus delegados legalmente autorizados. (2010, p. 672)

Outrossim suscitar que o fato de cada vez mais o Estado se tornar assistencialista, ou Estado Social, está fazendo com que se transfira ainda mais a atividade econômica para a iniciativa privada, reservando para si a função apenas de regulador e fiscalizador em prol de uma economia equilibrada, tanto que há uma tendência à terceirização e a concessão de serviços que antes eram exercidos exclusivamente pelo poder público.

Como supracitado, o artigo 174 da Constituição Federal limitou a intervenção em três funções: fiscalização, incentivo e planejamento.

§  A fiscalização é exercida por meio do poder de polícia, nesse caso o Estado por intermédio de seu órgão fiscalizador verifica se os agentes econômicos privados estão atuando em conformidade com as disposições normativas referentes as suas atividades comerciais. O órgão fiscalizador é o CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, que é o órgão administrativo encarregado de atuar contra o abuso do poder econômico.

§  O incentivo disposto no texto constitucional alude a ideia de um Estado promotor da economia; por meio de ações de proteção, estímulo, promoção e auxílio aos agentes privados.

§  Por fim, o planejamento econômico manifesta-se por meio de um processo técnico de intervenção, cumulado com políticas públicas oriundas do Estado no domínio econômico, com a finalidade de organizar às atividades econômicas para obter resultados previamente almejados. Cabe ressaltar que que o Estado apenas direciona, oferecendo os caminhos para o desenvolvimento da atividade econômica dos agentes privados, porém não dispõe de força coercitiva, em decorrência do princípio da livre iniciativa e livre concorrência.

Em suma, se verifica que a intervenção no domínio econômico, disposta pelo artigo 174 da Constituição Federal, é indireta na medida em que o Estado não está atuando na exploração exclusiva de uma atividade produtiva, mas sim, fiscalizando o equilíbrio do livre mercado e da livre concorrência, ou seja, o Estado incentiva a livre iniciativa e efetua a fiscalização e o planejamento econômico por intermédio de órgãos fiscalizadores e medidas de políticas públicas para alcançar os fins desejados com base nos princípios da ordem econômica.

 

5.       O emergir do capitalismo social e da constituição humanista de forma efetiva na pós pandemia.

Conforme o exposto anteriormente, a intervenção econômica do Estado no Brasil é uma prática constitucional, amparada pelos artigos 170 e seguintes da Constituição Federal de 1988, sendo base para as medidas intervencionistas e de políticas públicas que produzem efeitos socioeconômicos no país desde aquela data e principalmente nesse período da pandemia de coronavirus.

Durante a quarentena, os governantes brasileiros produziram inúmeras medidas nacionais ou regionais para conter o avanço do contágio, bem como, para amortizar os efeitos dessa crise no setor econômico como um todo. Entretanto, o país iniciou um lento período de reabertura da economia a partir de junho de 2020. E em termos econômicos somente daqui alguns meses poderá ser aferido quais medidas foram realmente efetivas nesse cenário de pandemia e pós pandemia, e quais promoveram um direcionamento maior ao desenvolvimento sustentável e humanista da nação brasileira.

É evidente que de maioria das nações afetadas tomaram medidas em prol de aferir cuidados mínimos existenciais, com políticas públicas voltadas a renda mínima aos necessitados, bem como, em favor da manutenção dos empregos e da saúde das empresas, principalmente das pequenas empresas. Outrossim, a paralisação mundial que ocorreu, demonstrou que o planeta também pode se recuperar da poluição e dos agentes nocivos, caso haja a massificação da consciência ecológica, tanto que em inúmeros lugares as águas fluviais se tornaram límpidas novamente, o ar se tornou mais puro e assim por diante, aclarando que o planeta, como um ser vivente e recuperável, também precisava de um “descanso” das ações humanas.

Nesse sentido, a sociedade claramente se preocupou e, no futuro, se preocupará em obter um desenvolvimento realmente sustentável e ecológico, pautado em um respeito com a natureza e com o seu semelhante humano, tratando-o com respeito e empatia, lhe garantindo o mínimo existencial, bem como, estará disposta a aferir com mais cuidados as questões da humanização efetiva das políticas públicas, em que ocorra o respeito a dignidade e a liberdade do ser humano, que garantirá o desenvolvimento sustentável da nação, tal como, o desenvolvimento da sociedade lhe retribuirá em mais liberdade, como preceitua Amartya Sen em sua obra Desenvolvimento como Liberdade:

Os fins e os meios do desenvolvimento requerem análise e exame minuciosos para uma compreensão mais plena do processo de desenvolvimento; é sem dúvida inadequado adotar como nosso objetivo básico apenas a maximização da renda ou da riqueza, que é, como observou Aristóteles, “meramente útil e em proveito de alguma outra coisa”. Pela mesma razão, o crescimento econômico não pode sensatamente ser considerado um fim em si mesmo. O desenvolvimento tem de estar relacionado sobretudo com a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos. Expandir as liberdades que temos razão para valorizar não so torna nossa vida mais rica e desimpedida, mas também permite que sejamos seres sociais mais completos, pondo em prática nossas volições, interagindo com o mundo em que vivemos e influenciando esse mundo. (2007, p. 29)

Outrora a humanidade entendia que quanto maior renda ou riqueza de um país era melhor, garantindo uma nação rica, entretanto a história nos mostrou o lado perverso da riqueza, em que alguns prosperam e outros sucumbem à margem da sociedade financeiramente abastada.

Atualmente, o conceito de nação desenvolvida é muito mais complexo, passando por critérios como expectativa de vida, distribuição de renda, serviços de saúde pública, entre outros fatores, e posteriormente a pandemia, outros fatores serão considerados, como o retorno aos preceitos constitucionais humanistas, principalmente ao fazer um resgate de medidas políticas em prol de garantir socialmente o mínimo existencial aos seus cidadãos e tratamentos especiais às empresas de pequeno porte, garantindo assim o respeito à dignidade da pessoa humana, conceito tão consagrado constitucionalmente, assim como dispõe Carlos Ayres Britto:

Jungiu o desempenho das atividades econômicas a coordenadas constitutivas de deveres como a “defesa do consumidor” e “do meio ambiente”, “busca do pleno emprego” e “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País” (incisos V, VI, VIII e IX do art. 170, nessa ordem). Sem deixar de dizer que todo o sistema financeiro nacional só pode ser estruturado “de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade” (art. 192) e que “O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos da lei federal” (art. 219).

Tudo isso e muito mais – como regime jurídico dos serviços públicos (art. 175), da política agrícola e fundiária e da reforma agrária (arts. 184 e 186), da seguridade social (art. 194 a 204), da educação, da cultura e do desporto (arts. 205 a 217), da ciência e da tecnologia (arts. 218 e 219), da comunicação social (arts. 220 a 224) e do meio ambiente (art. 225) [...] Chegando ao requinte de incluir no título devotado aos “Direitos e Garantias fundamentais” situações jurídicas ativas que já correspondem àquela noção do “mínimo existencial”, de modo a sobrepujar a própria cláusula financeira da reserva do possível. Caso típico, inicialmente, do inciso LXXIV do art. 5º., segundo o qual “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Depois, o inciso IV do art. 7º., determinante de que o salário mínimo seja fixado em ordem a atender aos seguintes itens de despesas do trabalhador e sua família “moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”. Itens de despesas que ela mesma, Constituição, designa por “necessidades vitais básicas” não comportam desatendimento. Têm que ser supridas como o epicentro mesmo da democracia social, por se tratar de lídima questão de honra humanista. (2012, p. 97 a 98)

(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)

Para corroborar de forma prática o que Carlos Ayres Britto elucida, no gráfico acima do IBGE, se pode verificar que medidas que garantem o mínimo existencial, como o auxílio emergencial cobriram 38,7% dos domicílios nacionais, chegando em algumas regiões, como Norte e Nordeste a mais de 50%, sendo essencial para a distribuição de renda entre a população mais carente.

Nesse sentido, é notório que a partir dessa pandemia, a sociedade global estará apta a buscar com mais afinco a humanização das normas e das políticas públicas, e a liberdade da população será um bem a ser novamente conquistado, mas não apenas a liberdade de “ir e vir”, mas a verdadeira liberdade, em prol do real desenvolvimento da nação, assim como dispõe Amartya Sen.

O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade; pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessivas de Estados repressivos. A despeito de aumentos sem precedentes na opulência global, o mundo atual nega liberdades elementares a um grande número de pessoas – talvez até mesmo à maioria. Às vezes a ausência de liberdade substantivas relaciona-se diretamente com a pobreza econômica, que rouba das pessoas a liberdade de saciar a fome, de obter uma nutrição satisfatória ou remédios para doenças tratáveis, a oportunidade de vestir-se ou morar de modo apropriado, de ter acesso a água tratada ou saneamento básico. Em outros casos, a privação de liberdade vincula-se estreitamente à carência de serviços públicos e assistência social, como por exemplo a ausência de programas epidemiológicos, de um sistema bem planejado de assistência médica e educação ou de instituições eficazes para a manutenção da paz e da ordem locais. Em outros casos, a violação da liberdade resulta diretamente de uma negação de liberdades políticas e civis por regimes autoritários e de restrições impostas à liberdade de participar da vida social política e econômica da comunidade. (2007, p.18)

Diante o exposto, Amartya Sen elenca que a liberdade vai muito além do que se entende por esse termo em nossa sociedade atualmente, e ainda elucidou de que a falta de liberdade principalmente ocasionado por governos opressores podem levar o seu povo a terem graves problemas socioeconômicos, bem como, ainda podem limitar o acesso a serviços de saúde pública, de programas epidemiológicos e de assistência social, acarretando um distanciamento da dignidade da pessoa humana.

 

6.      Conclusão e as novas perspectivas para o futuro pós pandemia.

O ano de 2020 ficará eminentemente marcado na história da humanidade por trazer à tona os egoísmos e as fragilidades, mesmo das nações mais desenvolvidas e poderosas da humanidade.

O mundo literalmente sucumbiu e parou mediante o ataque invisível de um vírus causador de uma grave doença pulmonar, altamente contagioso e expressivamente letal.

Mercados mundiais entraram em quarentena, processos produtos paralisaram por semanas e a humanidade se viu na esperança de que tudo isso fizesse parte apenas de um pesadelo coletivo, entretanto milhares de pessoas faleceram e milhões foram contaminados.

Nesse período constantes medidas socioeconômicas de políticas públicas começaram a serem implementadas nas principais economias mundiais, sendo trilhões de dólares injetados simultaneamente para amenizar os efeitos dessa grave crise mundial, e assim salvar o máximo possível de empregos e empresas das nações.

Um cenário catastrófico se formou, em que fronteiras foram fechadas, economias se restringiram por si mesmas, e nos demonstrou que o mundo esteve à beira de um colapso sem ao menos ter uma nação que o liderasse, evidenciando um novo cenário político mundial, em que as hegemonias foram colocadas em cheque, mas que outras nações expoentes também não conseguiram ocupar as lacunas das influências políticas.

Organismos mundiais como Organização Mundial da Saude – OMS se atrapalharam e também tiveram pouca influência em um momento que necessitavam de coerência entre os membros e principalmente falharam por não manter a liderança sanitária.

Esse contexto colocou um sentimento único na humanidade, de impotência e fragilidade, que por mais evoluídos que nos tornássemos, não somos ainda plenamente eficazes aos seres mais primitivos da natureza, não importando quão ricos ou poderosos forem nossos exércitos ou economias.

Milhões de pessoas que ficaram isoladas sofreram com a efetiva falta de liberdade, e muitos não podiam sair de suas regiões para se tratarem em outras que possuíssem melhores condições sanitárias, sem contar os inúmeros problemas mentais e psiquiátricos ocasionados nesse triste período.

Além disso, muitas medidas implementadas não surtiram tantos efeitos econômicos, sucumbindo economias europeias, asiáticas e americanas em uma retração sem igual, desde a quebra da bolsa de valores de 1929.

Se percebeu também que apesar da evolução das normas terem ocorrido conjuntamente com a sociedade, em prol de respaldar e resguardar os interesses sociais e econômicos da nação, muitas se mostraram ineficazes ou insustentáveis em termos sociais e de resguardo a dignidade da pessoa humana nesse momento de crise.

Novamente nesse contexto a figura do Estado se interpôs por intermédio de regulações especiais, intervenções econômicas pontuais, auxílios assistenciais em respeito ao mínimo existencial da população, entre outras medidas de apoio aos seus cidadãos. Entretanto, nesse cenário, muitos agentes econômicos (entenda empresas) não respeitaram as suas funções sociais, servindo de apoio negativo ao Estado nesse momento tão desafiador, no entanto algumas outras empresas tiveram consciência e mantiveram empregos e salários, e se tornaram “bem vistas” aos olhos dos consumidores por respeitarem a dignidade da pessoa humana. Mediante o supracitado é inegável que as empresas são os maiores agentes econômicos da sociedade moderna, e por isso é importante norteá-las afim de que sejam mais produtivas em suas características sociais.

Em contrapartida a esse terrível cenário, empresas de tecnologias e de comércios digitais observaram a valorização dos seus ativos, elevando seus lucros exponencialmente.

É notório que há um “novo normal” em nossa história humana, em que haverá a efetivação dos preceitos do capitalismo social e da constituição humanista na pós pandemia.

No Brasil desde 1988 a Constituição Federal se inspirou significativamente nas constituições econômicas e sociais europeias, tornando-se assim também uma constituição socioeconômica em sua essência, com o Estado atuando na regulação econômica de forma intrínseca, necessária e obrigatória para o ideal desenvolvimento sustentável, pautados no respeito dos interesses sociais e da dignidade da pessoa humana. Ou seja, o Estado atua e intervêm na econômica quando necessário, em conformidade com os artigos 1°, 5º, 7º, 21, 173 e 174 da Carta Magna, por meio de vários instrumentos de regulação, inclusive por intermédio de seu órgão fiscalizador; o CADE.

O Estado brasileiro respaldado pelo artigo 174 da Constituição Federal que limitou a intervenção em três funções: fiscalização, incentivo e planejamento, instituiu diversas medidas de políticas públicas em prol de amenizar os efeitos da economia, como mencionado anteriormente, entretanto seus efeitos só poderão ser notados efetivamente ao término da crise sanitária.

Todavia as medidas de cunho social, em respeito ao mínimo existencial humano, consagrado em maioria das nações capitalistas atingidas pela crise, demonstra uma forte tendência ao conceito de conceder liberdade do cidadão por intermédio de políticas públicas, para que o mesmo possa livrar-se minimamente das mazelas que afligem sua sociedade naquele momento, concebendo assim uma nova concepção de desenvolvimento social, assim como preceituado por Amartya Sen e outros estudiosos.

Portanto, conclui-se que a humanização das normas será uma tendência fortalecida pela pandemia, em que o respeito ao ser humano e sua dignidade, de forma constitucional e em cláusulas pétreas serão prioridade, bem como, a utilização de políticas públicas de qualidade para manter a liberdade dos cidadãos de forma democrática, para que iniciativas privadas também sejam corresponsáveis pelo desenvolvimento da sociedade, concedendo meios dos cidadãos se desenvolverem de forma plena, consequentemente ampliando a economia da nação, mas com foco maior na qualidade de vida e na amplificação das políticas de saúde pública epidemiológicas, educação e intervenções econômicas pontuais em prol da defesa dos consumidores hipossuficientes.

Outrossim, haverá claramente outros desafios correlatos nas formas de atuação e regulação do Estado na Economia com a expressiva digitalização das transações econômicas, nessa época em que tudo se torna obsoleto com maior rapidez, e que burocracias não são mais aceitas, e para tanto se há movimentação com a Lei da Liberdade Econômica, a nova Lei de Franquias (13.995/19), a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), possíveis estudos de regulação das criptomoedas e dos algoritmos, entre outros assuntos pertinentes para a modernização da atuação do Estado na Economia em prol do bem estar social, permitindo assim os órgãos sempre permanecerem atualizados frente as novas tecnologias que despontam diariamente.

Sendo assim diversos interesses ainda estarão em constante atrito, mas a base humanista será uma bússola da pós crise, isto posto, então sejam todos bem-vindos ao “novo normal” da sociedade contemporânea e seus desafios atualizados pela pós pandemia.

 

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Recebido em 29 de junho de 2020
Publicado em 31 de julho de 2020


Como citar este artigo (ABNT)

SILVA, Nicholas Takamoto Leal da. A crise ocasionada pelo Covid-19, a importância da Empresa e sua função social, os meios de intervenção do Estado na Economia e sua atuação na pandemia, a busca pela humanização das políticas públicas e as perspectivas do futuro pós-crise. Revista MultiAtual, v. 1, n.3., 31 de julho de 2020. Disponível em: https://www.multiatual.com.br/2020/08/a-crise-ocasionada-pelo-covid-19.html