Paulo Freire

Editora Cortez & Moraes, 1979.

50 páginas

Elias Dantas[1]

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5483-501X



[1]Mestrando em Educação Tecnológica pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Tecnológica do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro (PPGET-IFTM), na linha Educação, Trabalho, Ciência e Tecnologia Processos Formativos e Práticas Educativas em Educação Tecnológica. E-mail: elias.marly@gmail.com

 

Esse é o título de mais uma importante obra do educador Paulo Freire. O livro é constituído de três partes: O homem e sua experiência, Alfabetização e conscientização e Práxis da libertação respectivamente.

Precede as palavras do autor, uma importante nota do INODEP (Instituto Oecuménique au serviçe du Développmentdes Peuples) justificando a organização da obra e citando as diversas fontes que forneceram materiais que a tornaram realidade. Na primeira parte: O homem e sua Experiência, Paulo Freire inicia relatando sua história de vida desde seu nascimento no Recife, seus pais e a influencia deles na sua formação. Fala da mudança para o interior de Pernambuco, sua pobreza, suas limitações e seus sonhos; sua adolescência, seus estudos, seu casamento aos 23 anos com a professora Elza Freire, bem como dos filhos, fruto dessa união. Aqui ele relata também a sua passagem pelo cargo de diretor do Departamento de Educação e Cultura do Sesi de Pernambuco entre os anos de 1946 a 1954; dasexperiências exitosas com a aplicação do seu método de alfabetização nos Círculosde cultura (unidade de ensino que substitui a escola tradicional); lembra também do golpe de Estado em 1964, sua prisão sob acusação de ser subversivo.

Essa primeira parte inclui também uma contextualização histórica da aplicação do método freiriano de alfabetização de adultos tanto no Brasil quanto no Chile. Tendo começado em 1962 no Brasil, omovimento chamado de “Movimento de Educação Popular” alfabetizou 300 alunos em 45 dias, resultado que desencadeou uma campanha á nível nacional. Embora conseguisse resultado expressivo com números inimagináveis, em 1964 o movimento passou a receber críticas de reacionários, lideranças cujo interesse se limitava ao aumento do número de eleitores, não a erradicação do analfabetismo.

Essa reação se transformou em perseguição política que culminou com sua prisão e posteriormente seu exílio no Chile. Nosso vizinho foi mais nobre e sábio. Mesmo em meio a desconfiança, devido a rejeição do método no Brasil, um jovem chileno que tinha idéias semelhantes  as de Freire, o democrata cristão e diretor de uma escola noturna em Santiago  Waldoms Cortês lhe convidou a integrar uma equipe para aplicação do seu método. O grande sucesso do método no Chile levou o país a receber da UNESCO uma distinção que o aponta como uma das cinco nações que melhor superaram o problema do analfabetismo.

Na segunda parte: Alfabetização e conscientização, a obra apresenta a visão de mundo do autor, ele logo justifica que o vocábulo conscientização não é criação sua, mas da equipe de professores que o apoiava e que coube a Helder Câmara a sua difusão e tradução para o francês e inglês. Segundo Freire a conscientização se dá após a tomada de consciência, é o desenvolvimento crítico da tomada de consciência, implica em ultrapassar a esfera espontânea de apreensão da realidade, desse modo chegar a uma esfera crítica, é um teste de realidade, ela faz tomar posse da realidade, produzindo a desmitologização como resultado do trabalho humanizante.

Antes da exposição do método, o autor fala do processo de decodificação de uma situação existencial, para tanto apresenta cinco conceitos, aos quais chama de idéias força, assim sendo: Para ser válida, toda educação, toda ação educativa deve necessariamente estar precedida de uma reflexão sobre o homem e de uma análise do meio de vida concreto do homem concreto a quem queremos educar; O homem chega a ser sujeito por uma reflexão sobre sua situação, sobre seu ambiente concreto; Na medida em que o homem, integrado em seu contexto, reflete sobre este contexto e se compromete, constrói a si mesmo e chega a ser sujeito; Na medida em que o homem, integrando-se nas condições de seu contexto de vida, reflete sobre elas e leva respostas aos desafios que se lhe apresentam, ele cria cultura; e não é somente pelas suas relações e por suas respostas que o homem é criador de cultura, ele é também “fazedor” da história. Na medida em que o ser humano cria e decide, as épocas vão se formando e reformando.

 

Essa segunda parte é concluída com a exposição do seu método. Propondo um método que fosse também um ato de criação, Freire entra na contramão dos métodos tradicionais e mecânicos voltados para o público infantil mas que também é geralmente aplicado na alfabetização dos adultos e portanto distantes da realidade dos trabalhadores. Segue-se, portanto a descrição do método em cinco fases: primeiramente identifica-se o universo vocabular do grupo alvo da alfabetização, selecionando algumaspalavras mais carregadas de significado e as expressões populares utilizadas. Desse vocabulário são extraídas as palavras geradoras que serão utilizadas durante o processo de alfabetização. Em seguida é feita uma da seleção das palavras geradoras, levando em conta critérios como: a riqueza silábica, a dificuldade fonética e o seu significado.

Na terceira fase consiste na criação de situações existenciais típicas do grupo com o qual se trabalha, isso se dá através de um debate acerca destes desafios, cuja finalidade é conscientizá-los para alfabetizá-los. A quarta fase é de elaboração de fichas indicadoras que ajudam os coordenadores do debate em seu trabalho. Na quinta fase são inseridas nas famílias fonéticas correspondentes às palavras geradoras. Após estas fases se dá efetivamente o início ao processo de alfabetização. Identificadas as palavras seus significados são debatidos, a seguir cada palavra é apresentada visualmente, de forma independente.

Posteriormente, cada palavra é apresentada dividida em sílabas. E, depois, é feito um estudo sobre as famílias silábicas. Por fim, o aluno pode combinar as sílabas estudadas e gerar outras palavras. Apóso trabalho oral, segue-se a fase da escrita. Com este processo, o aluno passa a aprender demaneira crítica e não pela memorização, isso eleva a condição de se associar de maneira clara a sua fala com a sua escrita, o que contribui para sua conscientização. Pois tanto a alfabetização quanto a conscientização no entendimento do autor acontecem simultaneamente. Para ele seria um erro imaginar a conscientização como uma fase preliminar da aprendizagem.

Na terceira parte ele trata da questão “Práxis da Libertação”. Freire desenvolve esse tema a partir de três palavras, a saber: opressão, dependência e marginalidade. Se o oprimido se caracteriza pelo desprezo de si mesmo, para o opressor a consciência, a humanização dos outros não lhe parece como a busca da plenitude humana, mas como uma subversão. Após defender que os oprimidos não obterão a liberdade por acaso e que é preciso lutar para conseguí-la, ele admite que quase sempre, durante a fase inicial do combate, em lugar de lutar pela liberdade, os oprimidos tendem a converterem-se eles mesmos em opressores ou em subopressores, desse modo valorizam o opressor como conseqüência de sua inferiorização e almejam ser como aqueles, pois a sombra do antigo opressor projeta-se continuamente sobre eles.

Para freire o subdesenvolvimento, não tem sua “razão” em si mesmo, sua “razão” está no desenvolvimento, por isso as sociedades subdesenvolvidas são dependentes de outras sociedades e só serão desenvolvidas quando alcançarem o ser-para-si deixando de simplesmente ser objeto de outra ou de outros, umser-para-o-outro, onde lheé imposta pela sociedade dirigente a cultura do silêncio. Para Freire os autos índices de analfabetismo nos países da America latina revelam que a marginalidade é estrutural, não é uma opção, pois o homem marginalizado tem sido excluído do sistema social e é mantido fora dele, sendo um objeto de violência. Ele conclui a terceira parte propondo algumas linhas de ações como uma “Nova relação Pedagógica”, onde critica a educação do tipo bancária, que consiste basicamente na ação do professor que deposita informações sobre a mente do aluno que chega vazia na escola, mas em contrapartida propõe a educação problematizadora, crítica,  fundamentada no diálogo, no amor, na fé e na humildade, sendo por conseqüência pedagogicamente revolucionária.

No final da terceira e última parte o autor discute sobre ação e revolução cultural. Para ele ação cultural e revolução cultural supõem comunhão entre os líderes e o povo como seres que transformam a realidade. Na revolução cultural a comunhão é tão intensa que os líderes e o povo chegam a ser como um só corpo. Ação cultural e revolução cultural apóiam-se no conhecimento científico da realidade, mas na revolução cultural a ciência não está a serviço da dominação. Embora possa haver tipos antagônicos de ação cultural dependendo se a sua origem está nos dominados ou nos dominadores, no caso da revolução cultural ela sempre tem como alvo a liberdade.

Trata-se de uma leitura indispensável na composição do itinerário formativo do professor, tanto no sentido de apropriação dos diversos conselhos práticos muito presente nas obras freirianas, quanto na compreensão do formidável método de alfabetização de adultos elaborados por esse sonhador. E por fim o leitor vai estar suficientemente embasado, para fazer calar os herdeiros daqueles que por razões puramente ideológicas, sepultaram um projeto que de tão promissor, foi acolhido e elogiado pelo mundo.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

FREIRE, Paulo Régulos Neves. Conscientização: teoria e prática da libertação - uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo, Editora Cortez & Moraes, 1979, 53 páginas.