István Mészáros

Boitempo Editorial(Mundo do Trabalho), 2º ed. São Paulo, 2008.

                                                                                                                  125 Páginas

Daniel Rosado Pinezi[1]

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5506-339X



[1] Daniel Rosado Pinezi, mestrando em Educação Profissional Tecnológica pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro – Campus Uberaba, graduado em ciências juridicas, membro do grupo de pesquisa “Discurso e Educação do Instituto Federal do Triângulo Mineiro”. E-mail: daniel.pinezi@gmail.com

É por isso que devemos romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional significativamente diferente.

(MÉSZÁROS, [2005] 2008, p. 27)

 

 

O presente texto tem como objetivo a realização da resenha do livro “Educação para Além do Capital” de István Mészáros, o texto utilizado foi a 2.ª Edição, publicado pela editora Boitempo Editorial– 2008, tradução de Isa Tavares.

A obra ora analisada foi publicada originalmente em 2005, elaborada por István Mészáros para a abertura do Fórum Mundial de Educação que ocorreu 28 de julho de 2004, em Porto Alegre, na qual amplia suas reflexões mais relevantes esboçadas em obras anteriores como em “Para Além do Capital”(1995) e “Marx: A Teoria da Alienação” (1970). Por meio de uma reflexão dialética, afirma que pensar a sociedade tendo como ponto central o ser humano exige, em primeiro lugar, a superação da lógica capitalista e dos conceitos dela decorrentes e, tomando emprestado a reflexão oportuna de Gramsci, propõe o resgate e reunificação do Homo faber e do Homo sapiens, no sentido de pôr termo à separação estrutural entre educação e trabalho, enfatizando que a educação não deve simplesmente qualificar para o mercado, mas para a vida e que somente por meio da implantação de um processo educativo amplo será possível superar a referida lógica do capital.

O autor dá início à obra trazendo três citações que representam as principais concepções filosóficas produzidas no campo da educação sendo a primeira de Paracelso, pensador do Século XVI, a segunda de José Martí, político e pensador cubano, e a última de Marx, retirada da obra “Teses sobre Feuerbach”; após contextualizá-las historicamente,  Mészáros faz alguns apontamentos sobre as limitações das reflexões até então produzidas e sobre o grau de comprometimento decorrentes da influência do pensamento capitalista.

Nas referidas reflexões, Mészáros ressalta que as limitações observadas decorrem não por ingenuidade ou por limitação intelectual de seus subscritores, mas pela incapacidade produzida pelas questões históricas nas quais estavam inseridos, o que os impedia de romper com a lógica capitalista que lhes era imposta. Alguns deles não conseguiam transcender a este modo de pensar por sua própria concepção ideológica, como é o caso de John Locke, ou ainda, como ocorreu com Adam Smith e Robert Owen, mesmo quando capazes de observar e denunciar as mazelas decorrentes deste modo de controle social não lograram êxito em apontar uma solução definitiva.

Analisando em profundidade os processos educacionais em relação aos processos sociais de reprodução do capital efetivamente implementados, Mészáros aponta quatro aspectos básicos que norteiam todo o seu trabalho, sendo o primeiro o confronto entre os parâmetros estruturais do capital e a necessidade de romper com a lógica capitalista para a criação de uma alternativa educacional genuína, considerando a característica irreformável do capital e seus mecanismos de autopreservação.

Neste ponto, convêm ressaltar que, segundo a reflexão desenvolvida pelo autor, o modo de produção capitalista necessita continuamente expandir-se e acumular riquezas e, visando atender essa incorrigível necessidade de autoexpansão e  acumulação, deve criar mecanismos e condições objetivas para autopreservação, assim, não há como corrigir o capitalismo pois qualquer modificação em seu modo de operação que vise a emancipação humana será inevitavelmente subvertido e modificado para atender o fim último do capitalismo que é a acumulação. Nas palavras do próprio autor, “...o capital é irreformável porque pela sua própria natureza, como totalidade reguladora sistêmica, é totalmente incorrigível” (MÉSZÁROS, [2005] 2008, p. 27).

O segundo aspecto apontado por Mészáros é que possíveis soluções não podem ser meramente formais com características superficiais, mas devem ocorrer de modo sistêmico e estrutural englobando todas as práticas educacionais de uma sociedade e seus meios de internalização de produção e reprodução do capital. Partindo da premissa de que qualquer mudança deve ser estrutural englobando todas as práticas educacionais e de produção, o autor aponta o terceiro aspecto que norteia sua obra, o entendimento de que somente uma compreensão ampla de educação poderá sustentar a luta por uma mudança radial e a elaboração de instrumentos capazes de provocar o rompimento com a lógica do capital.

Por fim, o quarto aspecto apontado pelo autor refere-se à defesa do papel da educação como ferramenta estratégica para a mudança das condições objetivas de reprodução, bem como para a automudança dos indivíduos visando a construção de uma nova ordem social metabólica radicalmente diferente.

Na primeira parte do texto, o autor reforça a ideia de que qualquer alteração ou reformulação que possa ser proposta para a educação não terá qualquer efeito prático sem uma transformação substancial no quadro social, opondo-se categoricamente às correções marginais sem qualquer compromisso com a mudança substancial das estruturas sociais. Para Mészáros, tais reformas educacionais objetivam apenas amenizar os nefastos efeitos do modo de produção praticado e não eliminam a causa dos problemas, mas apenas os seus efeitos. Insistir em um programa de reforma educacional que não tenha por objetivo promover uma reforma estrutural nas bases de sustentação da sociedade, visando corrigir as desigualdades sociais, atacando assim a raiz do problema, afirma o autor, é abandonar o objetivo de uma mudança social “qualitativa”.

Defendendo a ideia de que devemos pensar em uma alternativa educacional que tenha como objetivo principal a emancipação humana, Mészáros se contrapõe ao sistema capitalista que se impõe também sobre a produção de ideias e limita a reflexão para além de seus limites e conclui: “Não surpreende, portanto, que mesmo as mais nobres utopias educacionais, anteriormente formuladas do ponto de vista do capital, tivessem de permanecer estritamente dentro do limites da perpetuação do domínio do capital como modo de reprodução sócio-metabólica” (p.26).

Para chegar a esta afirmação, Mészáros toma a experiência de Adam Smith e de Roberto Owen e observa que o primeiro, ainda que reconheça o impacto negativo do sistema sobre a classe trabalhadora, quando elabora sua reflexão, aponta como causa do problema o que chamou de “espírito comercial” limitando-se a expressar uma preocupação de caráter humanitário e enumerar apenas os efeitos, sendo incapaz de atacar às causas reais demonstrando assim a presença dos limites objetivos da lógica do capital.

O mesmo ocorre quando o autor analisa a reflexão de Robert Owen que, embora adote uma posição de denúncia em relação à instrumentalização e à exploração do empregado pelo empregador, demonstra em seu discurso claros sinais de adequação aos limites objetivos impostos pelo capital; em sua reflexão, Owen é incapaz de chegar à origem do problema. Assim, Mészáros conclui a primeira parte do seu texto afirmando que é imperioso romper com as amarras impostas pela lógica do capital e enxergar para além destes limites se quisermos construir uma sociedade estruturalmente diferente e socialmente junta.

Na segunda parte do texto, Mészáros se dedica a apresentar estratégias que visam rompem com o controle exercido pela citada lógica do capital e reafirma que mudança deve ser estrutural e não apenas no âmbito formal, mas deve necessariamente atacar a essência do sistema.

Tomando elementos contidos em sua obra “Marx - Teoria da Alienação” o autor constata que a educação nos molde ora apresentados não é instrumento hábil para proporcionar qualquer tido de educação emancipadora; reconhece ainda que a educação oferecida de modo institucionalizado nos últimos cento e cinquenta anos serviu apenas aos interesses do capital fornecendo condições humanas ao seu pleno desenvolvimento enquanto difundiu valores que legitimavam os interesses dominantes e obstavam as possíveis alternativas.

Diante da referida constatação, o autor chegou a duas importantes conclusões, sendo a primeira que todas as propostas reformistas em educação representam estratégias de autopreservação do capital visando a manutenção de seu status conservador, e a segunda é que a educação enquanto controlada pelo capital não pode ser considerada como solução definitiva para todas as mazelas. Entretanto, apesar do modelo educacional institucionalizado não se prestar para proporcionar a reestruturação necessária, Mészáros afirma que a única solução possível para a superação do capital está contida na própria educação que constitui peça fundamental na superação desta realidade e na construção de sociedade não mais regida pela necessidade de produção, pelo lucro e pela exploração alienante do trabalho.

Ressalte-se que o autor não se refere a qualquer tipo de educação, mas a um processo formativo amplo que tenha capacidade de oferecer subsídios para a mudança social que intencione a emancipação humana, pois a superação do capital não se limita à simples negação, mas à construção de uma nova ordem capaz de se autossustentar por meio da educação e de produzir novo formato de relacionamento social e meios para sua realização.

Para o autor, este processo educacional deve antecipar-se criando uma “contrainternalização”, em oposição à internalização imposta pela lógica do capital, de forma concreta e duradoura, desenvolvendo uma forma de consciência social que permita que as pessoas não sejam escravizadas pelo controle do capital e consigam fazer a passagem, por meio de um processo de aprendizagem, para a sua própria vida.

Na última parte do texto, Mészáros refere-se à educação como uma “transcendência positiva da autoalienação do trabalho”, pois partindo das condições desumanizantes da alienação a que as pessoas são submetidas, conclui que para a mudança dessa condição é indispensável uma intervenção consciente em todos os domínios e níveis da existência individual e social. O autor parte da premissa que a origem de todos os tipos de alienação está a histórica alienação do trabalho, de modo que a superação da condição de alienado deve necessariamente passar pela reestruturação radical da relação do homem com seu trabalho; por isso, não há espaço para a simples negação do capitalismo, sendo necessário ir além e realizar uma nova ordem social metabólica sem qualquer traço da ordem social anterior. Neste sentido, afirma Mészáros que “o papel da educação é soberano, tanto para a elaboração de estratégias apropriadas e adequadas para mudar as condições objetivas de reprodução, como para a automudança consciente dos indivíduos chamados a concretizar a criação de um ordem social metabólica radicalmente diferente” (p. 65).

Afirma ainda o autor que a automudança consciente é o modo pelo qual os indivíduos terão a possibilidade de construir uma nova ordem social tomando decisões consciente soba forma de gestão de sua própria vida, estabelecendo assim  um controle consciente dos processos sociais que agora serão regidos pelas necessidades humanas e não mais pelas necessidades artificiais impostas pelo sistema capitalista.  

Para que isto ocorra, é indispensável a universalização da educação e do trabalho como ferramenta fundamental para a solução da alienação do trabalho; entretanto, tal universalização somente terá espaço quando se estabelecer entre os homens uma igualdade verdadeira e não meramente formal, situações que somente podem ser concebidas se olharmos para além do capital. Neste sentido, segundo Mészáros, vivemos o momento oportuno e urgente para tais reformulações, pois a crise estrutural do capital global que se apresenta neste momento histórico evidencia uma condição de transição e, sendo assim, oferece um espaço histórico e social aberto e propício para a ruptura com a lógica do capital, bem como a elaboração de planos estratégicos que levem para além do capital.

Por fim, Mészáros encerra o texto chamando a atenção para a urgente necessidade da realização destes projetos de reestruturação essencial da sociedade para além da ordem destrutiva do capital por meio da educação.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

MÉSZÁROS, István. (2005). Educação para Além do Capital. 2.º. ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2008 (Mundo do Trabalho).